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domingo, 8 de junho de 2014

NUM FIM DE TARDE


 Era início de junho. O outono já tomava o mate do estribo e o inverno chegava à galope. O sol acabava de mergulhar por entre os cerros e no céu azul, azul, logo se poderia ver a estrela boieira anunciando a noite. Uma aragem fria completava o quadro.

O açude parecia um espelho plantado na várzea. Os quero-queros davam o sinal de alguma movimentação lá pros lados da coxilha do fundo. O gado começava a se acomodar no parador. As vacas de leite ainda rondavam o potreiro onde os terneiros já quase na fase do desmame ainda retoçavam. 

De não muito distante, vem o balir dos primeiros cordeiros nascidos, o que faz o João Grosso esbravejar contra os graxains, pois ontem encontrou um cordeiro morto com mordidas. A estas alturas a estrela boieira já tem companhia no céu, onde a lua desponta por traz do capão de mato.

O preto Zeca entra no galpão, onde o fogo aquece e ilumina o ambiente. No canto de sempre, o Velho Manoel sorve o mate em sua cuia pequena. Mateia solito, enchendo os mates com água da cambona encarvoada. Geralmente, é de pouca conversa, mas quando está “aluado” é de conversa nenhuma...

Zeca dá um “buenas” e pergunta onde está o Lelo. Depois de longa pausa, o velho responde: “foi levar o milho pros cavalos, aquele lá proseia com os matungos”. O peão dá uma gargalhada, não se sabe se pelo mau humor do velho ou imaginando o amigo a prosear com os cavalos. Vai até um gancho na parede e pega uma guampa de canha, abre a tampa e dá um trago (haarg!!), lambe os beiços e vai reforçar o fogo.

Nisto João Grosso, que ainda falava sozinho dos graxains, se bem que desconfiasse dos cachorros de um vizinho, lascou: “se parar o ventinho vai dar uma geada de renguear cusco”.  Lelo também chega ao galpão. Os moços falam do tempo, das lidas do dia, das carreiras do próximo fim de semana, enquanto passam a guampa do trago. O velho mateia, só e quieto.

Completando o cenário, os cachorros fazem companhia aos peões. João Grosso começa a espetar uma linguiça para assar nas brasas do fogo. Ouve-se o piado de uma coruja. O velho resmunga alguma coisa, inaudível. Os peões falam alto e gargalham. Ali no galpão, ao redor do fogo, se resume o mundo e a vida, num fim de tarde...

Moacir Donato